A máquina e o corpo

Na verdade, tanto a máquina como o nosso corpo são organismos. Contudo, a organização do corpo não se assemelha à da máquina. A máquina compõe-se de muitas peças, originariamente separadas; uma vez estas reunidas, torna-se simples.

Como o ser vivo, destina-se a determinada função e, como ele, é simultaneamente simples e complicado. Mas é complicada antes de ser simples, ao passo que o homem, simples de início, se torna complexo.

Compõe-se primeiro duma célula. Esta divide-se em duas, que por sua vez se dividem, e a divisão prossegue indefinidamente.

No decorrer deste processo de complicação estrutural, o embrião conserva a simplicidade funcional do ovo.

Dir-se-ia que as células, mesmo depois de se terem tornado elementos duma multidão inumerável, recordam a sua unidade primitiva.

De antemão, sabem as funções que lhes estão destinadas no conjunto do organismo.

Se, durante meses, se cultivarem células epiteliais à parte do animal de que provêm, combinam-se em mosaico, como para proteger uma superfície, embora não haja superfície nenhuma para proteger.

Leucócitos em frascos, embora não tenham que defender o corpo contra os seus inimigos, devoram micróbios e glóbulos vermelhos.

O conhecimento inato do papel que devem representar no todo faz parte da maneira de ser dos elementos do corpo.

As células isoladas têm o singular poder de reproduzirem, sem direcção e finalidade, os edifícios que caracterizam cada órgão.

Se uns poucos de corpúsculos vermelhos, pela força da gravidade, se escapam duma gota de sangue colocada no plasma líquido, formando um pequenino regato, à volta deste constituem-se imediatamente margens. E o regato transforma-se num tubo, pelo qual os glóbulos vermelhos, tal como os vasos sanguíneos.

Depois, os leucócitos aderem à superfície do tubo, dando-lhe o aspecto dum capilar munido de células contrácteis. Deste modo, os corpúsculos brancos e vermelhos, isolados, formam um segmento de aparelho circulatório, embora não haja coração, nem circulação nem tecidos a irrigar.

As células são como as abelhas que constroem os seus alvéolos geométricos: fabricam o mel, alimentam os embriões, como se cada uma delas conhecesse a matemática, a biologia, a química, e agisse no interesse de toda a comunidade.

A tendência espontânea para a formação dos órgãos pelas suas células construtivas representa, bem como as aptidões sociais dos insectos, um dado imediato da observação.

A construção dum órgão faz-se por meio de técnicas muito estranhas ao nosso espírito; não é uma construção celular, embora seja formada por células.