A máquina e o corpo - I

Os métodos usados pelo organismo são, portanto, totalmente diferentes daqueles que utilizamos na construção das nossas máquinas e das nossas casas.

Os processos que o nosso corpo emprega são inteiramente originais, e não encontramos, neste mundo intra-orgânico, as formas da nossa inteligência.

Esta moldou-se sobre a simplicidade do mundo cósmico, e não sobre a de mecanismos internos dos animais. É difícil compreender a forma de organização do nosso corpo e as suas actividades nutritivas e nervosas.

As leis da mecânica, da física e da química aplicam-se completamente à matéria inerte, sé e parcialmente ao ser humano.

É preciso abandonar definitivamente as ilusões dos mecanicistas do século XIX, os dogmas de J. Loeb, as pueris concepções físico-químicas do homem, em que ainda se comprazem tantos médicos e fisiologistas.

É preciso abandonar também as fantasias filosóficas e humanísticas dos físicos e dos astrónomos. Depois de muitos outros, Jeans acredita e ensina que Deus, criador do Universo sideral, é matemático.

Se assim é, o mundo material, os seres vivos, e o homem, não foram criados pelo mesmo Deus.

Como certas especulações são ingénuas. Na verdade, só temos uma ideia rudimentar da constituição do nosso corpo. Devemos, portanto, contentar-nos com a observação científica das nossas actividades mentais e orgânicas. E, sem qualquer outro guia, caminhar para o desconhecido.

O nosso corpo tem uma grande solidez. Acomoda-se a todos os climas, tanto ao frio das regiões polares como ao calor dos trópicos. Suporta a privação de alimento, as intempéries, a fadiga, as preocupações, o trabalho excessivo. O homem é o mais resistente de todos os animais.

A etnia branca, que criou a nossa civilização, é a mais resistente de todas. Os nossos órgãos, contudo, são frágeis, e o mais leve choque danifica-os. Desintegram-se mal a circulação pára.

Esta oposição com a solidez e a fragilidade do organismo é, como a maior parte das antíteses que encontramos em biologia, uma ilusão do nosso espírito, e resulta da comparação que, inconscientemente fazemos sempre entre o nosso corpo e uma máquina.

A solidez daquela depende do material de que é feita e da sua montagem. Mas a do ser vivo deve-se a causas diferentes, e, em primeiro lugar, à elasticidade e tenacidade dos tecidos, à sua propriedade de se reproduzirem em vez de se gastarem, e ao estranho poder que o organismo tem de fazer face a uma nova situação por modificações adaptativas.