Aquisição do conhecimento - II

Um tal conhecimento pode ser acusado de banal e de incompleto. É banal, porque o corpo e a consciência, a adaptação, a individualidade são conhecidas dos especialistas da anatomia, da psicologia, da fisiologia, da metepsíquica, da higiene, da medicina, da educação e da sociologia.

É incompleta, porque no imenso número de factos temos de fazer uma escolha. E essa escolha é forçosamente arbitrária. Limita-se ao que nos parece mais importante. Desdenha o resto, porque ma síntese deve ser breve e apreensível dum só relance.

A inteligência humana não é capaz de reter senão um certo número de pormenores. Parece, portanto, que, para ser utilizável, o nosso conhecimento deve ser incompleto. Além disso, é a selecção das particularidades e não o seu número, que dá semelhança a um retrato.

O carácter dum indivíduo pode ser mais fortemente expresso por um desenho do que por uma fotografia. Só traçamos de nós próprios grosseiros esboços, como as figuras anatómicas que se fazem a giz num quadro de lousa.

Apesar da supressão intencional dos pormenores, esses esboços serão exactos. Inspirar-se-ão em dados positivos e não em teorias e esperanças.

Ignorarão o vitalismo e o mecanicismo, o realismo e o nominalismo, a alma e o corpo, o espírito e a matéria.

Mas hão-de conter tudo o que é observável.

Inclusive os factos inexplicáveis que as concepções clássicas passam em claro.

Com efeito, não desenhamos os fenómenos que se recusam a entrar nos quadros do nosso pensamento habitual, porque talvez nos conduzam até regiões que ainda nos são desconhecidas.

Englobamos, no nosso inventário, todas as actividades manifestadas e manifestáveis pelo indivíduo humano.

Deste modo iniciar-nos-emos num conhecimento de nós próprios, que é apenas descritivo, e ainda não muito distanciado do concreto.

Tal conhecimento não se pretende nem infalível nem definitivo. Será, por um lado, empírico, aproximativo, banal e incompleto. Mas, ao mesmo tempo, positivo e inteligível a toda a gente.