É necessário conhecer melhor o homem - II
É ao mesmo tempo o cadáver dissecado pelos anatomistas, a consciência que observam os psicólogos e os grandes mestres da vida espiritual, e a personalidade que a introspecção revela a cada um de nós, as substâncias químicas que compõem os tecidos e os humores do corpo, o prodigioso conjunto de células e de líquidos nutritivos cujas leis de associação estudam os fisiologistas. È nesse conjunto de órgãos e de consciências alongando-as no tempo que os higienistas e os educadores procuram levar ao seu melhor desenvolvimento. É o homo economicus que deve consumir sem descanso produtos manufacturados, a fim de que as máquinas, de que é escravo, possam continuar a trabalhar.
Mas é também o poeta, o herói e o santo. É não só o ser prodigiosamente complexo que os sábios analisam por meio das suas técnicas especiais, mas também a soma das tendências, suposições e desejos da humanidade. As concepções que acerca dele possuímos estão impregnadas de metafísica. Compõem-se de tantos e tão imprevistos dados, que nos sentimos tentados a escolher, de entre eles, os que nos agradam.
Por isso a nossa ideia do homem varia segundo os nossos sentimentos e as nossas crenças. Um materialista e um espiritualista aceitam a mesma definição dum cristal de cloreto de sódio. Mas não se entendem sobre a definição do ser humano.
Um fisiologista e um fisiologista vitalista não consideram o organismo de modo idêntico. O ser vivo de J Loeb difere profundamente do de Hans Driesch. É certo que a humanidade fez um gigantesco esforço para se conhecer. Mas, embora possuindo o tesouro de observações acumuladas pelos sábios e pelos filósofos, pelos poetas e pelos místicos, não apreendemos senão aspectos e fragmentos do homem. E esses fragmentos são ainda criados pelos nossos métodos. Cada um de nós é uma procissão de fantasmas, no meio da qual marcha a realidade incogniscível.
De facto, a nossa ignorância é muito grande. A maior parte dos problemas que a si próprios propõem aqueles que estudam os seres humanos permanecem sem resposta. Imensas regiões do nosso mundo interior continuam desconhecidas. De que modo se combinam as moléculas das substâncias químicas para formar os órgãos complexos e transitórios das células?
De que modo os genes contidos no núcleo do ovo fecundado determinam os caracteres do indivíduo que provém desse ovo? De que modo as células se organizam nessas sociedades que são os tecidos e os órgãos?
Dir-se-ia que tal como as formigas e as abelhas, elas sabem de antemão o papel que devem desempenhar na vida da comunidade. Mas ignoramos os mecanismos que lhes permitem constituir um organismo, que é, ao mesmo tempo, complexo e simples. Qual a natureza da duração do ser humano, do tempo psicológico e do tempo fisiológico? Somos um composto de tecidos, de órgãos, de líquidos e de consciência. Mas as relações da consciência com as células cerebrais continuam a ser um mistério
Estamos longe de conhecer as relações que existem entre o desenvolvimento do esqueleto, dos músculos e dos órgãos e o das actividades mentais e espirituais. Tão-pouco sabemos o que determina o equilíbrio do sistema nervoso e a resistência à fadiga e às doenças. Ignoramos igualmente de que modo o senso moral, o juízo e a audácia podem ser aumentados. Qual é a significação do sentido estético e religioso? Somos incapazes de produzir artificialmente a aptidão para a felicidade. Ignoramos ainda qual, o meio mais favorável ao melhor desenvolvimento do homem civilizado. Poder-se-ia formular um grande número de problemas além destes, sobre os assuntos que mais interessam. Mas também esses permaneceriam sem resposta.
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