Tempo fisiológico

O conhecimento do tempo fisiológico dá-nos a possibilidade de orientar convenientemente a nossa acção sobre os seres humanos; indica-nos qual a época da vida, quais os processos que a podem tornar eficaz.

Sabemos que o organismo é um mundo fechado. As suas fronteiras externa e interna, a pele e as mucosas respiratórias e digestivas, abrem-se, contudo, a certas influências.

Este mundo fechado é modificável, por isso que é uma coisa em movimento, uma sobreposição de modelos sucessivos no quadro da nossa identidade; os agentes físicos, químicos e fisiológicos que conseguem penetrar nele modificam-no incessantemente.

A nossa dimensão temporal constrói-se sobretudo durante a infância. Na época em que os processos funcionais são mais activos. É nesse momento que é preciso auxiliar a formação fisiológica e mental.

Quando os acontecimentos orgânicos se acumulam cada dia em grande número, à sua massa plástica pode dar-se a forma mais desejável para o indivíduo.

A educação fisiológica, intelectual e moral deve ter em conta a natureza da nossa duração, da estrutura da nossa dimensão temporal.

O ser humano é comparável a um líquido viscoso que se escoasse ao mesmo tempo no espaço e no tempo. A sua direcção não se pode desviar instantaneamente.

Para agir sobre ele, é preciso não esquecer a lentidão do seu movimento próprio. Não devemos modificar brutalmente a sua forma.

Apenas as operações cirúrgicas podem produzir transformações repentinas que lhe sejam favoráveis; mas até nestes casos o organismo só lentamente se cicatriza. Nenhum melhoramento profundo do corpo pode obter-se rapidamente.

De nada serve dar a uma criança, duma só vez, uma grande quantidade de óleo de fígado de bacalhau; mas uma pequena quantidade deste remédio, dada diariamente durante uns tempos, ajuda a modificar as dimensões e a forma do esqueleto.

Os factores mentais também só agem progressivamente. As nossas intervenções na construção da personalidade estrutural e psicológica só alcançam plenamente o seu objectivo, se se conformarem às leis do nosso desenvolvimento.

O nosso crescimento faz-se à custa duma constante expurgação de nós próprios. Possuímos, no início da vida, vastas possibilidades. O nosso desenvolvimento só é limitado pelas fronteiras extensivas das nossas predisposições ancestrais.

Mas a cada instante se impõe uma escolha, e cada uma das escolhas faz descer ao nada várias das nossas virtualidades.

A necessidade de escolher um caminho único, de entre todos os que se nos apresentam, priva-nos de ver os países aonde nos conduziram os outros caminhos.

Os seres virtuais que na infância viviam dentro de nós, vão morrendo. Ao lado de cada velho, caminha o cortejo de todos aqueles que ele poderia ter sido, de todas as suas potencialidades abortadas.

Somos, ao mesmo tempo, um fluído que se solidifica, um tesouro que se estanca, uma história que se escreve, uma personalidade que se cria.

A nossa ascensão, ou a nossa descida, depende de factores físicos, químicos e psicológicos do meio social, e finalmente da nossa vontade.

E a duração é a própria substância da nossa vida orgânica e mental, porque significa “invenção e, criação de formas, elaboração contínua do absolutamente novo”.