O corpo e as actividades fisiológicas

Temos a consciência de existir, de possuir uma actividade própria, uma personalidade. Sentimo-nos diferentes de todos os outros indivíduos. Julgamos a nossa vontade livre. Somos felizes ou infelizes. Estas intuições constituem para cada um de nós a última realidade.

Os nossos estados de consciência deslizam no tempo como um rio ao longo dum vale.

Tal como o rio, nós somos simultaneamente mudança e permanência. Dependemos muito menos do meio do que os outros animais. A nossa inteligência libertou-nos dele.

O homem é, antes do mais, o inventor das armas, dos utensílios e das máquinas. Foi com a ajuda destas invenções que pôde manifestar os seus caracteres próprios, aqueles que o distinguem de todos os outros seres vivos.

Manifestou as suas tendências mais profundas criando estátuas, templos, teatros, catedrais, hospitais, laboratórios, fábricas… Marcou assim a face da terra com o sinal indelével das suas actividades fundamentais, isto é, do seu sentido estético e religioso, do seu senso moral, da sua inteligência e da sua curiosidade científica.

Podemos olhar este foco de poderosas actividades do exterior ou do interior.

Visto do interior, mostra ao único observador, que somos nós próprios, os nossos pensamentos, as nossas tendências, os nossos desejos, as nossas alegrias, as nossas dores.

Visto de fora, aparece como o corpo humano, o nosso em primeiro lugar, e também o dos nossos semelhantes. Tem, portanto, dois aspectos totalmente diferentes.

É por isso que foi considerado como composto de duas partes, corpo e alma. Mas nunca se observou alma sem corpo, nem corpo sem alma.

Do nosso corpo vemos a superfície exterior. Sentimos o mal definido bem-estar do nosso funcionamento normal. Mas não temos consciência nenhuma dos seus órgãos.

O corpo obedece a mecanismos que nos estão completamente escondidos. Não os mostra senão àqueles que conhecem as técnicas da anatomia e da fisiologia. Desvenda, então, sob a sua simplicidade, uma espantosa complexidade. E nunca nos permite contemplá-lo ao mesmo tempo sob o seu aspecto exterior e público, e sob o seu aspecto interior e privado.

Mesmo se penetramos no inextricável labirinto do cérebro e das funções nervosas, em parte nenhuma encontramos a consciência. A alma e o corpo são uma criação dos nossos métodos de observação. São eles que os recortam num todo indivisível.

Esse todo é formado por tecidos, líquidos orgânicos e consciência. Estende-se simultaneamente no espaço e no tempo, cujas dimensões enche com a sua massa heterogénea.

Mas não se encontra inteiramente compreendido nessas quatro dimensões. Porque a consciência está ao mesmo tempo na matéria cerebral e fora da continuidade física.

O ser humano é demasiado complexo para o podermos apreender em todo o seu conjunto. Não podemos estuda-lo por meio dos nossos processos de observação.

É, portanto, numa necessidade metodológica que é descrito como um composto dum substractum corporal e de diferentes actividades, assim como a considerar separadamente os aspectos temporal, adaptativo e individual destas actividades.

Ao mesmo tempo, é preciso evitar cair nos erros clássicos: reduzi-lo a um corpo, ou a uma consciência, ou a uma associação das duas coisas e crer na existência concreta das partes abstraídas dele pelo nosso espírito.