É necessário conhecer melhor o homem

Há uma estranha desigualdade entre as ciências da matéria inerte e as dos seres vivos. A astronomia, a mecânica e a física têm, na sua base, conceitos que podem exprimir-se, com elegância e concisão, em linguagem matemática.
Estas ciências deram ao Universo linhas tão harmoniosas como as dos monumentos da Grécia antiga. Envolveram-no na rede brilhante dos seus cálculos e das hipóteses; levaram o estudo da realidade para além das formas habituais do pensamento, até inexprimíveis abstracções, que consistiam apenas em equações de símbolos.
Assim não sucede com as ciências biológicas. Aqueles que estudam os fenómenos da vida encontram-se como que perdidos numa selva inextricável, no meio duma floresta mágica cujas árvores inumeráveis mudassem constantemente de lugar e de forma. Vergam ao peso dum amontoado de factos, que chegam a descrever, mas que não conseguem definir por meio de fórmulas algébricas.
Das coisas que se encontram no mundo material, sejam elas átomos ou estrelas, rochedos ou nuvens, aço ou água, foi possível abstrair certas qualidades, tais como o peso e as dimensões especiais.
Estas abstracções, e não os factos concretos, é que são a matéria do raciocínio científico.
A observação dos objectos é apenas descritiva classifica os fenómenos. Mas as relações constantes entre as qualidades variáveis, isto é, as leis naturais, só aparecem quando a ciência se torna mais abstracta.
É por serem abstractas e quantitativas que a química e a física tiveram tão grande triunfo. Embora não pretendam informar-nos sobre a natureza última das coisas, permitem-nos contudo predizer os fenómenos e reproduzi-los sempre que queremos. Revelando-nos o mistério da constituição e das propriedades da matéria, deram-nos o domínio de quase tudo o que se encontra à superfície da terra, com a excepção de nós próprios.
A ciência dos seres vivos em geral, e do indivíduo em particular, não progrediu tanto. O homem é um todo indivisível de extrema complexidade. É impossível ter uma concepção simples do que ele seja, nem há método capaz de o apreender simultaneamente no seu conjunto, nas suas partes e nas suas relações com o mundo exterior. No seu estudo têm de ser utilizadas as técnicas mais variadas e diversas ciências. Cada uma destas ciências leva a uma concepção diferente do seu comum objecto. Nele, cada uma não abstrai senão o que a natureza da sua técnica lhe permite atingir. E a soma de todas estas abstracções é menos rica do que o facto concreto.
Fica um resíduo demasiado importante para poder ser desdenhado. A anatomia, a química, a filosofia, a psicologia, a pedagogia, a história, a sociologia, a economia política e todos os seus ramos, não esgotam o assunto. O homem que os especialistas conhecem não é, pois, o homem concreto, o homem real, mas tão-somente um esquema, por sua vez composto doutros esquemas construídos pelas técnicas de cada ciência.