A etapa final

A revista do Alzheimer’s Educational e Referal, Center, publicada pelo National Instituto n Aging, do departamento de saúde e serviços Humanos do governo dos Estados Unidos, dedica uma ampla reportagem sobre as fases finais da doença; os enfermos que se vêm colocados nesta situação e os familiares que, mais assustados que resignados, enfrentam estes momentos de máximo dramatismo e superlativa tragédia humana.

Embora o Alzheimer não cause directamente a morte, na sua fase final origina uma séria perda nos mecanismos de defesa do organismo, de maneira que as infecções catastróficas sobrevenham com facilidade nos pacientes, do mesmo modo que outras causas de morte por fraqueza ou debilidade vital. Chega um momento em que a demência está tão avançada que o instinto para viver acaba por sucumbir.

Os familiares e cuidadores das pessoas com Alzheimer, neste período final do processo, têm de enfrentar muitíssimos e graves problemas que uma e outra vez põe à prova a sua moral e seu ânimo, depois dos muitos anos de crescente sofrimento que experimentam, assistindo atónitos e aterrados ao desmoronamento mental e físico dos seus entes queridos. Parece que então, perdidas todas as batalhas, depois de imenso carinho demonstrado e os esquisitos cuidados prestados, de modo infatigável, gastas milhares de horas ao, lado do doente, por amor e entrega generosa, vivendo dias que são noites da alma e noites que se convertem em amargura do espírito, “não há nada a fazer e ninguém pode ajudar”. Pois, do nosso ponto de vista não é assim. Nesses momentos finais, que habitualmente duram meses ou anos, há muito mais a fazer , muito a não fazer e tanto os médicos como os outros profissionais de saúde podemos avaliar e ajudar muito nesse transe.

Há mais de vinte anos que o médico J M Martinez Lage reflecte sobre a morte dos seus doentes. O médico, o enfermeiro e o enfermo ante a morte. A Medicina e o Fim da Vida. Qualidade de Morte.
“A qualidade da morte é tão importante como a qualidade da vida. Se é difícil medir e entender a primeira, mais difícil e inédita se torna expor o conceito, investigar e estimar a segunda”.
A condição do enfermo desiludido e desequilibrado conduz a apresentar, com rigor médico, base moral e de sustentação ética se a acção terapêutica em curso ou que vai empreender é capaz de produzir algum resultado efectivo e já se torna fútil, sem proveito algum para o doente. “Acto médico fútil é aquele cuja aplicação está desaconselhada num caso concreto porque não é clinicamente eficaz (comprovado estatisticamente), não melhora o prognóstico, sintomas ou doenças inter-correntes ou porque produzirá, previsivelmente, efeitos prejudiciais razoavelmente desproporcionados ao benefício esperado para o doente ou suas condições familiares, económicas ou sociais”.

O doente de Alzheimer na sua fase final, caracterizada pelos sintomas e momento evolutivo em que todo o acto médico dirigido à sua recuperação se torna fútil. Deve assumir-se que “o não comer e não beber é normal e faz parte do processo de morrer destes pacientes”, em razão da doença de que sofrem. O corpo nem necessita nem quer, então, alimentos líquidos. A não alimentação traz consigo a libertação de endorfinas, que são os paliativos naturais da dor. Uma alimentação artificial nestes casos reduz tal produção e pode conduzir a semanas e semanas de sofrimento. Como tal maneira de nutrição exige impedir que o doente se mova ou esteja livre, com o risco de que arranque a sonda, tal imobilização imposta facilita o aparecimento de +úlceras de decúbito e infecções da pele.