O meio social - IV

As ciências da matéria fizeram imensos progressos, ao passo que a dos seres vivos permanece num estado rudimentar. O atraso da biologia pode atribuir-se às condições de existência dos nossos antepassados, à complexidade dos fenómenos da vida, e à própria natureza do nosso espírito, que se compraz nas construções mecânicas e nas abstracções matemáticas.

As aplicações das descobertas científicas transformaram o novo mundo material e mental. Tais transformações influenciaram-nos profundamente. O seu carácter nefasto deriva de terem sido feitas sem consideração por nós. A nossa ignorância sobre nós próprios deu à mecânica, à física e à química o poder de modificarem ao acaso as antigas formas de vida.

O homem devia ser a medida de tudo. E, afinal, é um estrangeiro no mundo que criou. Não soube organizar esse mundo para si, por não possuir um conhecimento positivo da sua própria natureza. O enorme avanço tomado pelas ciências da matéria inanimada sobre a dos seres vivos é, portanto, um dos acontecimentos mais trágicos da humanidade.

O meio elaborado pela nossa inteligência e pelas nossas invenções não se ajusta nem à nossa estrutura nem á nossa forma. Nele, sentimo-nos infelizes. Degeneramos moral e mentalmente.

São precisamente os grupos e as nações em que a civilização industrial atingiu o seu apogeu que mais enfraquecem. É neles, que o retorno à barbárie se dá com mais rapidez. Encontram-se sem protecção ante o meio adverso que a ciência lhes trouxe. Na verdade, a nossa civilização, como as que a precederam, criou certas condições de existência sob as quais, por motivos que não conhecemos exactamente, a própria vida se torna impossível.

A inquietação e a infelicidade dos habitantes da cidade moderna procedem das suas instituições políticas, económicas e sociais, mas sobretudo da sua própria decadência. Somos vítimas do atraso das ciências da vida em relação à matéria.

Só um conhecimento muito mais profundo de nós próprios pode dar remédio a este mal. Graças a ele, veremos por que mecanismos a existência moderna afecta a nossa consciência e o nosso corpo.

Sabemos como adaptar-nos a esse meio, como defender-nos dele, e também o que lhe substituir no caso em que uma revolução se tornasse indispensável.

Mostrando-nos o que somos, as nossas potencialidades, e a maneira de as actualizar, esse conhecimento dar-nos-á a explicação do nosso enfraquecimento psicológico, das nossas doenças morais e intelectuais.

Só ele nos poderá desvendar as leis inexoráveis das nossas actividades orgânicas e espirituais, só ele nos poderá fazer distinguir o permitido do proibido, segundo a nossa fantasia, o nosso meio e a nós próprios.

Desde que as condições naturais da existência foram suprimidas pela civilização moderna, a ciência do homem tornou-se a mais necessária de todas as ciências.