Fronteiras físicas - II

Tal como no espaço, também no tempo o indivíduo ultrapassa os limites do seu corpo. A sua fronteira temporal não é mais precisa nem mais fixa do que a espacial.

Estamos ligados ao passado e ao futuro, embora a nossa personalidade, como é sabido, nasce no momento da fecundação do ovo pelo elemento masculino.

Mas os seus elementos já existem dispersos nos tecidos dos nossos pais, dos nossos avós e dos longínquos antepassados..

Somos feitos das substâncias celulares dos nossos pais. Dependemos, orgânica e indissoluvelmente, do passado. Levamos dentro de nós a inumeráveis fragmentos do corpo dos nossos pais, e as nossas qualidades são geradas pelas deles.

No homem, tanto como nos cavalos de corrida, a força e a coragem são qualidades hereditárias. A história não pode ser suprimida. Devemos, pelo contrário, utilizar o conhecimento do passado para prever o futuro e para o dirigir.

Sabe-se que os caracteres adquiridos pelo indivíduo no decorrer da sua vida não se transmitem aos seus descendentes. Contudo, o plasma sanguíneo não se conserva imutável.

Modifica-se por vezes sob a influência do meio interno; alteram-no as doenças, os venenos, os alimentos, as secreções das glândulas endócrinas.

A sífilis dos pais pode causar perturbações graves no corpo e na consciência dos filhos. É por este motivo que a descendência dos homens de génio se compõem por vezes de seres inferiores, fracos, mal equilibrados.

O treponema pálido exterminou maior número de grandes famílias do que todas as guerras do mundo.

Igualmente os morfinómanos, cocainómanos, alcoólicos…., geram seres diferentes, que pagam durante toda a vida os vícios dos pais. As consequências das faltas de um passam facilmente aos seus descendentes.

Mas é muito menos fácil que passem as virtudes. A transmissão das qualidades adquiridas durante a vida não se faz directamente. Cada indivíduo põe a sua marca sobre o seu meio, a sua casa, a sua família, os seus amigos. Vive como que rodeado por si próprio.

Graças ao que deste modo criou, a sua descendência herda os seus caracteres. A criança depende de seus pais durante um longo período. Tem tempo de receber o que estes lhes podem comunicar. E, como tem o dom da imitação, tende a tornar-se como eles, tomando o seu verdadeiro aspecto, e não a máscara que eles trazem na sua vida social.

Em geral, sente por eles indiferença e certo desprezo. Mas aceita deles a ignorância, a vulgaridade, o egoísmo. A cobardia. Certos indivíduos, contudo, legam aos seus descendentes inteligência, bondade, sentido estético, coragem.

Continuam-se pelas obras de arte, pelas suas descobertas científicas, pelas instituições políticas, económicas e sociais que criaram, ou simplesmente pela quinta que construíram e pelos campos desbravados por suas mãos. Foram homens destes que fizeram a nossa civilização.