A ciência do homem

É indispensável fazer um exame completo de nós próprios. A pobreza dos esquemas clássicos deriva de não nos termos, apesar da extensão dos novos conhecimentos, abrangido num volver de olhos suficientemente geral.

Trata-se, com efeito, não de apreender o aspecto que o homem apresenta numa dada época, em certas condições de vida, mas de apreendê-lo em todas as suas actividades, tanto nas que se manifestam ordinariamente como nas que podem permanecer virtuais.

Tal informação não se pode obter senão investigando cuidadosamente, quer no mundo presente, quer no passado, as manifestações dos nossos poderes orgânicos e mentais.

E igualmente por um exame, ao mesmo tempo analítico e sintético, da nossa constituição e das nossas relações físicas, químicas e psicológicas com o meio externo.

É preciso seguir o prudente conselho dado por Descartes, no Discurso do Método, àqueles que procuravam a verdade, e dividir o nosso assunto em tantas partes quantas forem necessárias para realizar o inventário completo de cada uma delas.

Mas ao mesmo tempo devemos não esquecer que tal divisão é apenas um artifício metodológico, criado para nós, e que o homem permanece um todo indivisível.

Não há um território privilegiado. Na imensidade do nosso mundo interior tudo tem significação. Não podemos escolher apenas o que nos convém, ao sabor dos nossos sentimentos, da nossa fantasia, da forma científica e filosófica do nosso espírito.

A dificuldade ou obscuridade dum assunto não é razão suficiente para o desdenhar. Todos os métodos devem ser empregados. Tanto o qualitativo como o quantitativo são verdadeiros.

As relações susceptíveis de ser expressas em linguagem matemática não são mais reais do que as que o não são.

Darwin, Claude Bernnard e Pasteur, que não puderam descrever as suas descobertas com o auxílio de fórmulas algébricas, foram tão grandes sábios como Newton e Einstein.

A realidade não é forçosamente clara e simples, nem sequer é seguro que nos seja sempre inteligível. Além disso, apresenta-se sob formas infinitamente variadas. Num estudo de consciência, o úmero, uma ferida, são coisas igualmente verdadeiras.

O interesse dum fenómeno não está na facilidade com que as nossas técnicas se aplicam ao seu estudo. Deve ser julgado em função, não do observador e dos seus métodos, mas do assunto, do ser humano.

A dor da mãe que perdeu o filho, a angústia da alma mística mergulhada na noite obscura, o sofrimento do doente devorado por um cancro (…) são duma evidente realidade, embora não sejam mensuráveis.

Tão-pouco se tem o direito de desdenhar do estado dos fenómenos de vidência como do de cronaxia dos nervos, sob o pretexto de que a vidência não pode ser produzida quando se queira, mas tão-pouco medida, ao passo que a cronaxia é exactamente mensurável por um método simples. Temos de nos servir, desse inventário, de todos os meios possíveis, contentando-nos com observar o que não se pode medir.