Sistema nervoso autónomo - III

Os nossos tecidos têm uma grande heterogeneidade estrutural. Compõem-se de elementos muito diferentes uns dos outros. O fígado, o coração, os rins têm, cada um, uma individualidade e limites definidos.

Para os anatomistas e para os cirurgiões, a nossa heterogeneidade orgânica é indiscutível. Parece ser, contudo, mais aparente do que real.

As funções acham-se muito menos nitidamente delimitadas do que os órgãos.

O esqueleto, por exemplo, não é apenas a armação do corpo; faz também parte dos sistemas circulatório, respiratório e nutritivo, por isso fabrica, graças à espinal-medula, leucócitos e glóbulos vermelhos.

O fígado segrega bílis, destrói os venenos e os micróbios, armazena glicogénio, regula o metabolismo do açúcar em todo o organismo, produz a heparina.

O mesmo sucede com o pâncreas, com as glândulas supra-renais, com o baço…

A cada um destes órgãos competem múltiplas funções, cada um deles toma parte em quase tudo o que sucede no corpo.

Mas a sua individualidade anatómica tem fronteiras mais estreitas do que a fisiológica.

Uma comunidade celular penetra em todas as outras por meio de substâncias que fabrica. As vastas associações celulares chamadas vísceras estão, como se sabe, sob o comando dum único centro nervoso.

Silenciosamente, esse centro expede as suas ordens para todas as regiões do mundo orgânico.

Do coração, dos vasos, dos pulmões, do aparelho digestivo e de todas as glândulas endócrinas faz uma unidade, na qual se confundem as individualidades orgânicas.

A heterogeneidade do organismo é, de facto, criada pela fantasia do observador.

Dever-se-á definir um órgão pelos elementos histológicos ou pelos produtos químicos a segregar?

Os rins são, para o anatomista, duas glândulas diferentes; contudo, sob o ponto de vista fisiológico, são um único ser.

Um órgão não é limitado pela sua superfície; vai até onde forem as substâncias que produz. O seu estado estrutural e funcional depende da rapidez do consumo de tais substâncias pelos outros órgãos.

Cada glândula prolonga-se no corpo inteiro por meio das suas secreções internas.

Um órgão consiste tanto no seu meio interior como nos seus elementos anatómicos, tanto o constituem células específicas como um meio específico; e este estende-se muito para além da fronteira anatómica.

É impossível compreender a existência do organismo vivo quando se reduz o conceito duma glândula ao da sua arquitectura.

Em suma, o corpo é uma heterogeneidade anatómica e uma homogeneidade fisiológica. Age como se fosse simples, embora mostrando-nos uma estrutura complexa. É o nosso espírito que cria essa antítese.