O café

Houve tempo em que o café era desconhecido na cadeia alimentar. Não passava da semente duma árvore tropical que dá frutos vermelhos como as cerejas. Na sua ânsia persistente de procurar meios e maneiras de se envenenar, o homem começou a utilizar essas sementes, como remédio e até como panaceia, torrando-as, triturando-as para beber depois a infusão desse pó.

Mais tarde, esse líquido negro e acre, adoçado com o traiçoeiro açúcar (refinado igneamente com ácido sulfúrico e ossos de animais) tornou-se bebida de certos povos, para hoje ter um consumo mundial.

No século XV teve voga no Oriente, principiando a usar-se na Europa no ano de 1615. Há precisamente 392 anos que é bebido nos países ocidentais deste velho continente em pouco menos que ruínas.

Desgraçadamente, na época actual não há ninguém que não o empregue. Desde a lavadeira, que de manhã o toma numa malga, até à dama que, na cama, o recebe numa chávena de porcelana, das mãos da criada, desde o motorista que o bebe, do vendedor ambulante até ao rico brasileiro (sem ofensa) que o vai procurar à hora certa no local afamado; pobres e ricos, doentes e sãos, novos e velhos usam e adoram o café.

Haverá razão para tão grande fetichismo? O café que se toma é um produto tóxico. Dizem os amadores que os desperta e os alegra, os distrai e dispõe bem.

Esses falsos benefícios não passam de sintomas dum envenenamento contínuo, gerador de todas as doenças do sistema nervoso, da neurastenia tão espalhada e da loucura tão difundida.

Poucos doentes do coração há que não devem a anormalidade da sua existência ao uso do café e doutras bebidas semelhantes. Possui o café um alcalóide de efeitos violentíssimos chamado “cafeína”, que cristaliza em agulhas incolores e amargas, e ao qual se devem os seus malefícios, assim como tanino e vários princípios aromáticos estimulantes em excesso.

O café está arvorado em elixir vital pela multidão dos seus amigos, cultivadores e tomadores. Todos à porfia lhe fazem o reclame, procurando quem o compre e pague bem.

A contribuição do povo por tão enraizado vício é enorme. É que o homem não morre, mata-se, dizia o filósofo, com grande quantidade de usanças, aparentemente deleitáveis, mas basicamente atentatórias à integridade física normal.

Se alguém perguntar a um médico sinceramente se o café verdadeiro é prejudicial, ele dirá, se meter a mão na consciência, que é o principal gerador da irritabilidade e da perturbação nervosa das pessoas que dele usam e abusam