O tempo interior

O tempo interior é a expressão das modificações do corpo e das actividades durante o decorrer da vida.

Equivale à ininterrupta sucessão de estados estruturais, hormonais, fisiológicos e mentais que constituem a nossa personalidade.

É uma dimensão de nós próprios. As secções feitas pelo nosso espírito segundo esse eixo temporal mostram-se tão heterogéneas como as que os anatomistas fazem perpendicularmente aos eixos espaciais.

Como disse Wells em “A Máquina de Medir o tempo”, os retratos dum homem aos oito, aos quinze, aos dezassete, aos vinte e três anos, e assim sucessivamente, são secções, ou melhor, representações a três dimensões, dum ser que tem quatro e que é uma coisa fixa e inalterável.

Somos, portanto, obrigados a dividir o tempo interior em fisiológico e psicológico.

O tempo fisiológico é uma dimensão fixa, formada pela série de todas as modificações orgânicas do ser humano, desde a sua concepção até à sua morte.

Pode também ser considerado como um movimento, como os estados sucessivos que compõem, sob os olhos do observador, à nossa dimensão.

O outro aspecto do tempo interior é o tempo psicológico. A nossa consciência não regista o tempo físico, mas o seu movimento próprio, a série dos seus estados, sob a influência dos estímulos que recebe do mundo exterior.

Como diz Bergson, o tempo é o próprio tecido em que se recorta a vida psicológica.

A duração mental não é um instante a substituir outro… A duração é o progresso contínuo do passado corroendo o futuro e cujo avanço é acréscimo contínuo.

Continuamente, o passado encontra-se sobre o passado. Na realidade, o passado conserva-se si próprio, automaticamente. Segue-nos, sem dúvida, em todos os instantes, completo; tudo o que sentimos, pensamos, quisemos, desde a nossa primeira infância, está ali debruçado sobre o presente que se lhe junta, tentando forçar a porta da consciência que procura impedir-lhe a entrada.

O mecanismo cerebral está feito precisamente para repelir a quase totalidade para o inconsciente, e para só deixar penetrar na consciência o que é de molde a esclarecer a sua situação presente.

É fora de dúvida que só pensamos com uma pequena parte do nosso passado; mas é com a totalidade que desejamos, que queremos e agimos.

Somos uma história cuja riqueza exprime melhor a da nossa vida interior e do que o número de anos que contamos.

Sentimos bruscamente não sermos hoje idênticos ao que éramos dantes. Parece-nos que os dias vão passando cada vez mais depressa. Mas nenhuma destas modificações é suficientemente precisa e constante, para que a possamos medir.

O movimento intrínseco da nossa consciência é indefinível. Além disso, dir-se-ia que não interessa a todas as funções mentais: algumas delas não são modificadas pela duração, só se alternando no momento em que o cérebro é atingido pela doença ou pela sensibilidade.

Mas, no fundo, o que importa é a realidade dos seres humanos e não a sua quantidade. Não se deve, portanto, tentar aumentar o número de centenários, antes de ser descoberta a maneira de evitar a degenerescência intelectual e moral, e as demoradas doenças da velhice.